Em meio à polêmica mudança de nome, o The Playoffs explica a origem da franquia e do termo que remete aos nativos americanos
(Foto: William Howard/Icon Sportswire via Getty Images)
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A grande discussão da NFL nas últimas semanas teve CEP e endereço em Landover, Maryland, mas tem nome da capital norte-americana, e um ‘sobrenome’ muito polêmico. Mas, afinal, o que motiva a pressão crescente para que o Washington Redskins adote outro ‘apelido’? Qual é a origem do polêmico termo?Antes de começar este texto, acho relevante fazer um adendo: sou torcedor da franquia há mais de 25 anos, desde que ganhei uma bolinha de espuma com o logo do time. Ainda que continue torcendo por Washington, não concordo com o nome, e tento ao máximo evitar seu uso, seja nos meus textos, seja nos podcasts e lives no YouTube. Aqui, usarei o termo sempre que necessário. Até 1932, o Washington Redskins tinha outro nome: Boston Braves, que também tem ligação com os nativo-americanos. A franquia tinha sede na cidade de Massachussetts, e mandava seus jogos no Braves Park. O estádio era dividido com o Boston Braves, que representava a cidade na Major League Baseball (sim, após algumas idas e vindas, hoje esse time é o Atlanta Braves).Em 1933, o então presidente dos Braves, George P. Marshall, decidiu trocar a sede do time, optando pelo Fenway Park, sede do Boston Red Sox, também da MLB. A etapa seguinte era alterar o nome do time, até para evitar a confusão com o Boston Braves. A partir daí, as histórias variam, mas a mais repetida cita o técnico. Faremos uma pausa para falar sobre o termo em si, e voltamos na sequência.O primeiro registro conhecido do termo ‘redskin’, a junção das palavras ‘red’ (vermelho) e ‘skin’ (pele), ou seja, “pele vermelha”, data do século XVIII. De acordo com o ‘The Washington Post’, o termo foi utilizado pelo chefe Mosquito, de uma tribo indígena da região do Mississippi, em uma carta enviada a um oficial britânico. No artigo ‘How Indians got to be red’, Nancy Shoemaker revela que o termo foi popularizado na época em que os cristãos passaram a ser tratados como ‘brancos’.No início do século seguinte, o então presidente James Madison utilizou, ainda segundo o The Washington Post, o termo para referir-se aos nativos americanos. Na segunda metade do século, ‘red skin’ começou a ser utilizado de forma pejorativa, algo que ficou comprovado na edição de 1898 do Webster’s Collegiate Dicionary, que definiu ‘redskin’ como alguém ‘normalmente indolente’. Atualmente, diversos dicionários apontam o termo ‘redskin’ como ofensivo, incluindo o Cambridge Dictionary, o Merriam-Webster e o Collins English Dictionary.Voltamos à história da franquia. De acordo com Marshall, a escolha do nome foi uma homenagem ao técnico William Henry Dietz, conhecido como ‘Lone Star’. Dietz, um dos principais técnicos do futebol americano universitário e que comandou o time entre 1933 e 1934, alegava ser membro da tribo Sioux, e sua origem como nativo-americano foi utilizada décadas depois por Dan Snyder, atual dono da franquia, para confirmar a escolha como uma homenagem.No entanto, em 2014, a ESPN.com divulgou um texto confirmando as dúvidas sobre essa origem levantadas ao longo de décadas. A reportagem revela que Dietz forjou a origem nativo-americana para evitar ser convocado como integrante do Exército dos Estados Unidos na 1ª Guerra Mundial, o que levou-o a ser julgado em 1919, ocasião em que duas testemunhas garantiram que ele era filho de imigrantes alemães.Uma das peças relevantes é a historiadora Linda Waggoner, que mergulhou na história de Dietz e sua mulher, Angel De Cora, uma artista nativo-americana. A reportagem da ESPN cita uma frase reveladora de Waggoner. “(Dietz) não era quem ele disse a ela (De Cora)”, afirmou a historiadora, segundo quem o treinador assumiu a identidade de James ‘One Star’, veterano do Exército e membro da tribo Sioux Oglala.LEIA MAIS+ Qual será o novo nome da franquia de Washington? Confira os favoritosVoltamos à origem do nome. Ainda em 1933, Marshall disse à Associated Press que mudou o nome da franquia de Boston Braves para Boston Redskins para descolar a franquia da NFL do time da MLB. Quatro anos depois, ele decidiu realocar a franquia para Washington, e manteve o segundo nome, pedindo à mulher, Corinne Griffith, ajuda para escrever um tema para o time.‘Hail to the Redskins’ é utilizada até hoje e, por mais de 30 anos, incluiu uma frase polêmica, alterada após um pedido de líderes nativo-americanos ao então presidente do time, Edward Bennett Williams, em 1972. O trecho original é “scalp ‘um”, que pode ser traduzido como “escalpele eles”, e atualmente é cantado como “beat ‘em”, ou “batam eles”.Esta sentença aumenta a polêmica porque uma corrente que inclui Michael Taylor, professor assistente na Colgate University, aponta como possível origem para o termo ‘redskin’ a prática de pagamento de recompensas pela morte de nativo-americanos na era colonial norte-americana, com o escalpelamento sendo uma das formas de comprovar a morte para receber a recompensa.Um anúncio publicado em 1863 no Winona Daily Republican, em Minnesota, reforça a tese defendida por Taylor, cuja família tem origem na tribo Seneca. “A recompensa governamental por nativo-americanos mortos subiu para US$ 200 por cada ‘red-skin’ (termo no original) enviado ao purgatório”, revela o texto.
Um dos argumentos mais citados por quem defendia a manutenção do segundo nome da franquia é uma pesquisa de 2016, publicada pelo Washington Post, segundo a qual nove em cada 10 nativo-americanos ouvidos dizem não sentir-se ofendidos com o uso do termo pelo time da NFL. A reação, neste caso, é natural: se os nativo-americanos e seus descendentes, a quem cabe o lugar de fala, não sentem-se ofendidos, por que outros têm o direito de exigir mudanças?
Cada argumento leva a um contra-argumento. Um levantamento da Universidade da Califórnia – Berkeley, divulgado no começo de 2020 no Social Psichology and Personality Science Journal, revelou que mais da metade dos mil nativo-americanos ouvidos sentem-se, sim, ofendidos pelo termo e pelo mascote. “Vemos exemplos claros e frequentes de nativos falando e protestando contra os nomes e mascotes problemáticos das franquias. Ainda assim, pesquisas públicas, com pouca transparência em sua metodologia, garantem que os nativos não se ofendem. As coisas não encaixam-se”, explicou Arianne Eason, professora-assistente de psicologia na UC-Berkeley e co-autora do estudo.
Na semana passada, a ESPN.com informou também que o pedido de mudança no nome foi reforçado por ao menos 15 líderes e/ou representantes de organizações ligadas ao movimento dos nativos-americanos. Eles assinaram carta enviada a Roger Goodell, comissário da NFL, pressionando por uma alteração imediata no nome da franquia ligada à capital dos Estados Unidos.
“Esperamos que a NFL se engaje em um processo robusto e significativo de reconciliação com os líderes dos movimentos nativo-americanos, as tribos e organizações, visando reparar décadas de violência emocional e outros sérios danos que o nome racista deste time causou”, apontou o texto. Entre seus signatários, o ex-golfista Notah Begay, dois ex-diretores do Congresso Nacional de Índios Americanos (NCAI), e Crystal Echo Hawk, ativista e fundadora da associação IllumiNative, focada na reversão da narrativa negativa relacionada aos nativo-americanos.
Em 2014, durante uma entrevista ao programa ‘Outside the Lines’, Dan Snyder defendeu a versão da homenagem a Dietz, apontando que ouviu-a inicialmente de seu pai, o jornalista Gerry Snyder. Um ano antes, ele havia garantido ao USA Today que nada mudaria. “Nós nunca mudaremos o nome. É assim simples. NUNCA. Pode usar letras maiúsculas”, assegurou Snyder.Sete anos depois, parece que as coisas estão perto de mudar e a franquia de Washington já anunciou que aposentou o nome “Redskins”, bem como o logo utilizado há 87 anos.
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