De Montes Claros aos Estados Unidos, Kamilla constrói uma carreira de alto nível fora do país desde os 14 anos de idade
No último domingo (7), a pivô brasileira Kamilla Cardoso, de South Carolina Gamecocks, foi campeã da Division I do Torneio da NCAA, no basquete universitário feminino dos Estados Unidos, com um jogo absurdo de 15 pontos, 17 rebotes e três tocos na vitória por 87 a 75 sobre Iowa Hawkeyes e ganhou muitos holofotes aqui no Brasil.
Já bastante famosa nos EUA por seu protagonismo dentro da equipe de South Carolina, principalmente em 2023/2024, a pivô também faturou o prêmio de “Most Outstanding Player” do Torneio da NCAA, ou seja, melhor jogadora do campeonato, e só coroou a carreira de quatro temporadas de college, da qual ela se despediu com o jogo. A brasileira agora encara o Draft 2024 da WNBA, no dia 15 de abril, e será presença garantida dentro do top 5 da seleção.
Nascida em Montes Claros, interior de Minas Gerais, Kamilla resolveu sair do Brasil para tentar a sorte com o basquete nos Estados Unidos aos 14 anos de idade, sem falar praticamente nada de inglês, e conseguiu triunfar, com paciência, em uma trajetória de, até aqui, oito anos e muita evolução.
Com o objetivo de jogar o basquete universitário nos EUA, Kamilla chegou no Ensino Médio em terra norte-americanas e conseguiu ser aceita na Hamilton Heights Christian Academy, em Chattanooga, Tennessee, escola não tão famosa no basquete, mas que abrigou os primos canadenses Shai Gilgeous-Alexander e Nickeil Alexander Walker, jogadores da NBA, antes de suas carreiras universitárias. Alta, forte e ágil, a brasileira não demorou muito a começar a chamar atenção.
Em seu ano de senior (quarto ano), já com 1,98 m de altura, Kamila teve médias de 24,1 pontos, 15,8 rebotes e 9,2 tocos (!) por jogo, sendo ranqueada como uma prospecto cinco estrelas pela ESPN saindo do Ensino Médio e selecionada para o McDonald’s All-American Game 2020. Devido à pandemia, o jogo, que envolve os maiores talentos do Ensino Médio, acabou não acontecendo e as jogadoras foram condecoradas virtualmente, mas Kamilla, listada a mais alta entre as 24 jogadoras, dividiu a seleção com Caitlin Clark, Paige Bueckers, Cameron Brink, Angel Reese, Hailey Van Lith e Deja Kelly, todas jogadoras que, em um nível ou outro, viraram estrelas no universitário.
Recebendo diversas ofertas de universidades para continuar a promissora carreira, a pivô resolveu ir para Syracuse Orange, dispensando ofertas de UConn, Ohio State, Mississippi State e South Carolina, programas mais consolidados no basquete feminino, em geral.
Jogando por Syracuse em 2020/2021, a brasileira foi titular em 22 dos 24 jogos que disputou, e teve boas médias de 13,6 pontos, 8 rebotes e 2,7 tocos, chamando atenção nacional ao se tornar a primeira caloura da história de Syracuse a faturar o prêmio de Caloura do Ano da ACC.
Mesmo com os bons números e o reconhecimento, a campanha curta e o programa menor em comparação a seu potencial fizeram com que a pivô tomasse a decisão de se transferir, em 2021/2022, para South Carolina, um programa consolidado pela técnica Dawn Staley basicamente desde 2013/2014, primeira temporada de uma sequência em que a equipe chega, ao menos, ao Sweet 16 do Torneio da NCAA.
Ainda que prestigiada, o começo não foi um mar de rosas para Kamilla. Reserva, a pivô atuou em 32 partidas e acumulou as médias de 5,4 pontos, 5,1 rebotes e 1,4 toco em 13,3 minutos por jogo, praticamente dez minutos a menos por partida em comparação ao que tinha em Syracuse. Apesar da baixa da produtividade, a brasileira provou uma inédita corrida profunda no Torneio da NCAA, jogando pela primeira vez na carreira o Sweet 16, o Elite 8, o Final Four e uma final, em campanha coroada com seu primeiro título.
Na temporada seguinte, ainda na reserva, a pivô aumentou sua participação dentro da rotação das Gamecocks e viu uma evolução em todos os seus números. As médias foram para 9,8 pontos, 8,5 rebotes e 1,9 toco em 18,9 minutos, ao longo de 36 jogos, e novamente a equipe chegou ao Final Four, mas desta vez parando nas Hawkeyes de Clark.
2023/2024 chegou e foi sua temporada de consagração. Promovida à titular por Staley, Kamilla consolidou a figura de grande defensora de garrafão que construiu ao longo da curta carreira e foi premiada diversas vezes ao longo da temporada, vencendo os prêmios de Jogadora Defensiva do Ano da SEC e da WBCA, entre diversos outros prêmios. As médias da brasileira novamente subiram, para 14,4 pontos, 9,7 rebotes e 2,5 tocos em 25,4 minutos e ela foi a maior responsável em liderar uma campanha que terminou invicta para as Gamecocks, com o título sobre Clark e as Hawkeyes no último domingo (7).
Pela seleção brasileira adulta, Kamilla já tem um currículo e tanto para a pouca idade. A pivô estreou no adulto na AmeriCup 2021, em Porto Rico, e teve boa participação ajudando o Brasil a chegar à medalha de bronze, com médias de 9,9 pontos e 8 rebotes. No ano seguinte, já com maior protagonismo, acumulou 14,8 pontos, 11,4 rebotes, 2,6 tocos e o MVP do torneio na campanha do ouro brasileiro no Sul-Americano 2022.
Em 2023, ela teve seu ponto alto com a seleção. A pivô era a destaque do Brasil para a AmeriCup 2023, no México, e não decepcionou, faturando o MVP do torneio com médias de 10,9 pontos e 8,3 rebotes, em campanha que levou o Brasil a bater os EUA de Angel Reese na final e levar a medalha de ouro.
Desde o início de sua ascensão no basquete universitário dos EUA, Kamilla mostrou seu potencial como defensora e sua trajetória, paciente, libertou todas as suas qualidades. Com 2,01 m e mobilidade, a brasileira tem uma defesa de garrafão e proteção de aro já de calibre profissional e deverá chegar praticamente pronta para a WNBA deste lado da quadra.
O ataque é onde a brasileira tem mais características a serem polidas. Ela tem boa definição próxima ao aro e consegue pontuar em segundas chances como ninguém e assim ela justifica seus 59,4% de aproveitamento nos arremessos de quadra da última temporada. Porém, conforme se afasta da zona restrita, as dificuldades aumentam. A pivô precisaria desenvolver uma arremesso de média distância mais confiável e melhorar o aproveitamento nos lances livres (65,9% em 2023/2024) a fim de se destacar ainda mais.
Mesmo com essas fraquezas notadas, a pivô é vista de um modo geral como um força defensiva muito destacada e sua atitude dentro do garrafão ofensivo não passa despercebida de maneira alguma. Caitlin Clark sairá na primeira posição e Cameron Brink, pivô de Stanford e também estrela midiática nos EUA, parece que se encaminha para sair na segunda, mas entre a terceira e a quarta posição, a vaga está em aberto e dá para confiar que a brasileira poderá sair neste top 3.
Como esperança para o grande feito, o portal norte-americano NBA Draft Room, respeitado em mocks draft, tanto da NBA quanto da WNBA, alçou a pivô à segunda colocação em sua atualização do dia 8 de abril, deixando Brink na quarta posição.
De um jeito ou de outro, Kamilla estará na WNBA em 2024 e não teria jeito melhor de iniciar a nova fase da carreira senão bebendo da melhor fonte que são as estrelas brasileiras que passaram pela liga dos EUA, como a pivô Érika de Souza, conforme revelou em participação no “ESPN League”, da ESPN do Brasil, nesta segunda-feira (8). “Falo, principalmente, da Érika. Sempre que a gente se encontra, conversamos bastante, me inspiro muito nela. Então, toda vez que a gente se encontra no Brasil tento pedir conselhos e ela sempre me ajuda […] Ter como conversar com elas é sempre importante para mim”, disse.
(Fotos: Reprodução Twitter / South Carolina Women’s Basketball)